6 coisas que aprendi em 6 meses em Israel

Daniel Hippertt
9 min readOct 24, 2021

Na última semana obtive minha segunda nacionalidade. Agora sou, enfim, cidadão israelense, após passar seis meses morando em Tel Aviv. Não é um período muito longo, mas sem dúvidas já foi o suficiente para aprender, crescer e amadurecer muito enquanto pessoa. Na última terça-feira busquei os documentos prontos que oficializam minha nova passagem de vida.

A primeira 3x4 que me deixou bonito na vida.

Não sou muito fã de listas, confesso, pois geralmente elas são muito superficiais e trazem poucas informações novas aos leitores. Normalmente associo esse formato de texto a marketing de conteúdo mal feito. Entretanto, não encontrei um formato melhor para transmitir adiante alguns dos ensinamentos que absorvi ao longo desse tempo na “Terra Prometida”. Como certa feita disse Winston Churchill a respeito da democracia:

“Não tem tu, vai tu mesmo!”

“Não tem tu, vai tu mesmo!” disse Churchill sobre o regime democrático

Mentira, ele não falou assim não. Mas esse é o conceito que importa, tá bem?

Sem mais delongas, vamos a ela: A EXCELENTÍSSIMA E NEM UM POUCO SUPERFICIAL LISTA DE APRENDIZADOS QUE ABSORVI EM ISRAEL E ME ESFORCEI PARA ESCREVER SEM PARECER MARKETING DE CONTEÚDO MAL FEITO.

Talvez eu precise trabalhar melhor no título.

Ok, vamos lá…

  1. O BRASIL É UMA MERDA, MAS É BOM.

“Viver nos Estados Unidos é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom”. Disse com sabedoria Tom Jobim, comumente interpelado a respeito do contraste entre os dois países, por manter apartamentos no Rio de Janeiro e em Nova York.

Estátua do Tom em Ipanema. O Brasil é uma merda, mas é bom.

Não sei a respeito dos EUA, mas Tom está certo a respeito de morar no exterior de maneira geral. É incomparável a qualidade de vida do pobre israelense frente ao pobre brasileiro. E olha que esse país aqui tem problemas gravíssimos também, como o mercado imobiliário que apresenta taxas e preços absolutamente surreais; o custo de vida é altíssimo; o mercado de trabalho fora da indústria de alta tecnologia não tem contracheques tão polpudos assim. No entanto, o salário mínimo beira R$ 8 mil. Ou seja, oito vezes maior que o Brasil. Claro que tem correções e você precisa analisar o poder de compra, não o valor absoluto. Entendam, no entanto, que o Brasil de Bolsonaro tem itens básicos de sobrevivência com preços crescendo acima da inflação, sem que o salário acompanhe a evolução. O pobre brasileiro está indo atrás de caminhões de resto para ter osso roído no jantar. E isso nem metáfora é. O pobre israelense vive sem luxos, mas com dignidade.

Andar três horas da manhã, a pé e sozinho? Nada vai te acontecer em Tel Aviv. No Rio de Janeiro, cada nova esquina virada é uma oração. Gosto de brincar que o ateu não dura dois minutos na Cidade Maravilhosa, pois você precisa analisar a rua e sentir se ela tem uma energia de assalto, ou não.

Num contexto global, em análise fria, a vida em Tel Aviv é muito melhor do que os momentos que atravessei no Brasil. E olha que eu passei longe de viver em um lar necessitado: venho de uma realidade muito privilegiada comparada ao resto do povo tupiniquim.

Ainda assim, há elementos muito característicos da minha vivência brasileira que me fazem falta demais. Barzinho com mesa e cadeira de plástico, gente de havaianas e cerveja estourando de gelada? Sambinha no domingo para fechar o fim de semana com chave de ouro? Abraçar e beijar as pessoas? Fazer de estranhos melhores amigos por um dia? Flertar abertamente no Gafieira Elit? Saber que tem um bloquinho de carnaval fora de época no Centro?

Isso aqui é sacanagem de bom! Esquece!

O Brasil é mais gostoso, leve e divertido. Sem dúvidas. No entanto, durante a pandemia, eu já sentia falta desse Brasil, mesmo estando por lá. Agora as atividades serão retomadas aos poucos e a saudade vai tomar conta de mim de levinho.

Na balança dos fatos, no entanto, eu ainda opto pela estabilidade de uma vida mais tranquila, justa e digna do que pelo calor e oba-oba da minha terra natal.

2. NÃO SÃO ELES OS ESQUISITOS, É VOCÊ.

Essa eu demorei pra entender um pouco, mas depois de um tempinho a ficha caiu. Não são os costumes e relações israelenses que são distantes, esquisitos ou incomuns. Sou eu que vim de outro contexto e não posso querer aplicá-lo aqui. Quem precisa se adaptar à sociedade sou eu e não vice-versa. O que não muda o fato de que o suporte ao imigrante poderia ser melhor em diversos fatores. Em atividades simples do dia a dia percebe-se a diferença.

Por exemplo, em qualquer circunstância eu vou levantar da mesa e me afastar para fumar um cigarro, ou então vou perguntar aos demais integrantes se é um problema eu estragar meus pulmões por ali mesmo. Sempre que fiz essa pergunta ou levantei, recebi olhares curiosos dos israelenses.

“Nossa, você é educado demais”.

É proibido fumar! Diz o aviso que eu li!

Depois de um tempo percebi que isso não era um elogio, na verdade se aproximava mais de uma crítica. No trabalho, inclusive, antes eu pedia ajuda em qualquer tarefa com muita polidez, já que a experiência corporativa brasileira me ensinou que assim é a melhor forma de não machucar os egos. Com o tempo, aprendi que “é preciso endurecer, mas sem perder a ternura jamais”. Quer dizer… As vezes deixar a ternura de lado é importante. Semana passada fiquei putaço com uma demo que fizeram no escritório. Puto mesmo. E pela primeira vez extravasei minha putice em reunião, com palavras duras e afirmativas. No dia seguinte tava 200% melhor.

Observe. Aprenda. Aplique.

Mas importante: não deixe de ser um cara legal, ou educado, por conta dos costumes.

3. COMPLEXO DE VIRA-LATA É UM CONCEITO IMBECIL

Longe de mim querer manchar a memória do saudoso Nelson Rodrigues, inventor da expressão “complexo de vira-lata”, que surgiu após a derrota da Seleção para o Uruguai na final da Copa do Mundo de 1950, no Maracanã. O Maracanazzo, como ficou batizado o evento, era a maior vergonha da história desportista brasileira e assim se manteve por muitas décadas. Até que o 7 a 1 veio para redimir o goleiro Barbosa, acusado de ter falhado no fatídico gol de Gigghia, que concedeu a taça Jules Rimmet ao esquadrão celeste.

O gol de Gigghia, que cunhou os termos Maracannazzo e “Complexo de Vira-Lata”,

Com o passar do tempo, o tal complexo passou a ser utilizado para definir a sensação de inferioridade que nós, brasileiros, temos diante do resto do mundo. Acreditamos ser inerentemente piores que o primeiro mundo em muitos aspectos. Quando comecei a trabalhar por aqui, tinha uma pulga atrás da orelha, a síndrome do impostor me questionava se eu estaria à altura da tarefa. Interagir com gente do mundo inteiro, estrategizar em outro idioma, absorver o conhecimento ferramental que eles têm.

Veja só: não só descobri que sou capaz de me equiparar em todos os fatores supracitados, como ainda excedo em muito as expectativas por conta de outras habilidades. O brasileiro é mais criativo, conversado e improvisador. O que nos falta, normalmente, é a disciplina que os gringos têm de sobra.

Se conseguirmos absorver deles esse negócio um pouco mais caxias, somos imparáveis. Profissionais valiosíssimos no mercado.

Além disso, complexo de vira-lata deveria ser uma expressão positiva, já que o querido CACHORRO CARAMELO é patrimônio histórico e cultural de nossa nação, e deveria ilustrar as cédulas de R$200 no lugar do lobo-guará.

Vai me dizer que não é mais simpático assim?

4. ACREDITE NO MELHOR, PREPARE-SE PARA O PIOR.

Eu considero esse conceito de good vibe gratiluz muito nocivo à sociedade. Outro dia assisti ao Greg News sobre o tema “positividade tóxica” e achei certeiro. Na veia. Não tenho nada contra você achar que o universo devolve o que se projeta sobre ele, que há energias dominantes e toda essa lenga-lenga. Agora, não rola meter essa para respaldar anticientificismo, sabe? Pra mim é um pouco demais. Foi mal.

Um exemplo claro do que NÃO fazer.

É muito importante acreditar que o melhor virá em um ambiente de otimismo controlado, com os pés no chão. Só que é necessário compreender que você precisa também estar preparado e se virar quando o universo decide que não vai só jogar abundância no seu colo, saca? Às vezes, em vez de prosperidade, o arrombado do universo pode te dar uma conta de R$22 mil para entrar num novo apartamento, entendeu?

Se eu acho que é imprescindível viver esperando o bem? Sim, eu acho. Eu prefiro confiar em mim, nas pessoas ao meu redor e no potencial para fazer do mundo um lugar um pouquinho melhor. Ainda assim, para existir o conceito de bem, é necessário haver o mal. Ele também está por perto e pode aparecer quando você menos esperar. Esteja preparado. Tenha um plano. Saiba se virar.

5. “VOCÊ É O ÚNICO REPRESENTANTE DO SEU SONHO NA FACE DA TERRA. SE ISSO NÃO FIZER VOCÊ CORRER, CHAPA… EU NÃO SEI O QUE VAI”.

Para quem não conhece, o título desse item da lista é um verso de uma música do Emicida chamada ‘Levanta e Anda’. Sempre gostei muito dela, mas nunca assimilei muito bem o conceito de correr pelo seu sonho. A verdade é que estive em ambientes muito controlados a minha vida inteira praticamente. Acomodado.

Emicida é um cara bem foda.

Não foi Israel que mudou isso para mim, mas sim a mudança de contexto. Estar em um novo lugar me propiciou o entendimento de que a disciplina precede a motivação para alcançar os objetivos traçados. Não é a toa que agora eu bati meu peso ideal, sou reconhecido no trabalho e voltei a escrever regularmente. É porque eu me comprometi a isso.

Talento é uma parte muito pequena diante do real incentivo diário que é, simplesmente, fazer.

Tem que meter a cara, tem que planejar as atividades, tem que cumprir com os acordos que você estipula consigo. É claro que não se deve ser um extremista xiita, mas você percebe o quanto o dia melhora quando você vai se exercitar de manhã, ou quando você come direito, ou quando você consegue entregar todas as tarefas que projetou para o trabalho.

A rotina é o combustível da vida, essa é a grande verdade, no fim das contas.

Pelo menos tem sido para mim.

6. SEU PASSADO NÃO TE DEFINE.

Você é, simplesmente, o que quer ser HOJE.

Não haja dúvidas de que tudo o que atravessamos nos transformou de alguma maneira. Há medos, traumas, complexos, maneirismos, inseguranças.

Só que nenhum desses aspectos te define enquanto pessoa. As experiências que ficaram pelo caminho não são capazes de ditar quem você é, a menos que você permita isso.

Seu passado não é maior que sua vontade de mudar.

Sempre está em tempo de mudar. De aprender coisas novas. De correr atrás de um sonho. Quer aprender a surfar? Vai, bicho! Quer fazer teatro? Tá esperando o que?

A vida é muito curta para a gente se prender a conceitos e lembranças que nos arrastam para baixo. Somos maiores que isso.

Ser a sua melhor versão é uma escolha.

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Daniel Hippertt

Sou um cara que enxerga graça em situações cotidianas, que rio de mim mesmo com frequência, e que tento fazer os outros rirem (talvez sem o mesmo sucesso).