Lado B

Daniel Hippertt
2 min readNov 17, 2022
Vira esse disco, se você quer me entender.

Me sobram assuntos para escrever os textos, mas falta o tesão para publicá-los. Prosa no papel não são palavras ao vento. Ultimamente parece que só trabalho pela prata e procrastino com a nata desse talento, que poderia virar meu ganha-pão, não fosse a minha insubordinação. Talvez seja só doce ilusão.

Tenho alguns parágrafos arquivados na gaveta, mas me falta a força para transformá-los em Cordel. Eu quero fazer arte, eu quero ficar para a posteridade. Eu quero escrever um livro de prêmio Nobel. Um roteiro original tão neurótico e engraçado quanto aqueles filmes antigos do Woody Allen. Eu quero discursos brilhantes, enredos emocionantes e reviravoltas de tirar o fôlego, sem que jamais me calem. Eu quero ter disciplina de Stephen King, com capacidade de Machado e alcance de JK Rowling.

Eu quero ser lido por multidões. Apaixonado e intenso como um milhão de Ernest Hemingways. Quero ter a sensibilidade dos Fitzgerald e saber traduzir tristeza tão bem quanto Clarice Lispector. Quero a vivacidade de Drummond e a poesia de Garcia Márquez. A força de Camões. Na verdade, queria escrever como pintava Velázquez.

Quero criar Hamlets, Homeros, Tom Sawyers e Dom Quixotes. Quero ser à frente do tempo, como Jane Austen e seu Mr. Darcy. Quero a loucura de Asimov e o sarcasmo de Bukowski. Me traga o modernismo de Graciliano Ramos e faça-me sucinto como Jorge Luis Borges.

Desejo ser destemido como um Capitão de Areia, mas com a elegância de Chico Buarque. Como um irmão alemão provando pela primeira vez o sabor da carne de charque.

Basquiat que disse: “acreditem ou não, eu sei desenhar”. Esse era um gênio com a coroa no lugar. Com ele os críticos podiam falar, mas sem potencial de intimidar, pois toda obra iniciada seria terminada, só para incomodar.

Acreditem ou não, eu sei escrever. Não faço disso meu ofício — sequer meu lazer. Não pontuo no papel para você me entender. É desentender. É entorpecer. É sentir prazer. É enlouquecer.

Isso aqui não é arte.

É meu lado B.

--

--

Daniel Hippertt

Sou um cara que enxerga graça em situações cotidianas, que rio de mim mesmo com frequência, e que tento fazer os outros rirem (talvez sem o mesmo sucesso).