Ritos de passagem

Daniel Hippertt
5 min readOct 11, 2021

É oficial.

Quer dizer… Ainda não é, mas será já amanhã.

Serei cidadão israelense.

As mudanças deixam a gente reflexivo sobre a vida

Na rotina do dia a dia, a gente às vezes esquece a dimensão dos acontecimentos.

Acordo cedo, me exercito, arrumo a casa, tomo café e começo a trabalhar. Abro o dia, intelectualmente falando, com uma hora de escrita dos textos que vocês lêem por aqui. Em seguida, começo minha rotina de trabalho para a startup que paga meu salário. Durante o almoço, aproveito para ler meia hora algum livro de não-ficção (no momento “Complexo de Vira-Lata”, da Márcia Tiburi). Depois, retomo as tarefas da empresa até o começo da noite. Após as 19h é meu espaço de séries — a última foi a coreana Round 6 -, filmes e literatura: meu livro da vez é O Enigma do Quarto 622, de um escritor que gosto muito, chamado Joel Dicker (autor também de “A verdade sobre o caso Harry Quebert”, que é simplesmente genial!).

O autor suíço Joel Dicker é uma das minhas inspirações literárias

Com essa rotina bem definida, os dias passam mais rápido e sinto que conquisto mais objetivos. Para meu estado mental, essa disciplina tem sido um marco importantíssimo.

Disciplina e Dani nunca combinaram muito, sabe? Num passado recente, eu não conseguia perceber que sou o único responsável por ditar o ritmo da própria vida. Não adianta culpar o universo, a genética, ou qualquer outra merda inventada na minha cabeça quando no fundo, eu sabia que sequer estava tentando.

Eu entendo que disciplina é difícil de manter, principalmente quando não há resultados imediatos para atestar uma progressão. A questão é que simplesmente não é possível sair do leigo ao especialista em três sessões. Há quem diga que são necessários 21 dias para formar um hábito e 10 mil horas para se especializar em algo — não sei se os números são absolutamente precisos, até porque somos diferentes. No entanto, está claro para mim que sem se mexer em alguma direção, nada acontece mesmo. Não vai cair do céu.

Na verdade eu queria que meu ego tivesse permitido que eu compreendesse isso antes. Porque antes eu só lia as frases “motivacionais” de outras pessoas, às vezes até as repetia, mas nunca eram verdadeiros: minhas palavras ou entendimento. Eu não conseguia perceber o quanto era importante tentar, fazer, colocar a mão na massa, deixar de procrastinar.

A procrastinação é um dos grandes males da geração millenial

Não que eu tenha deixado de ser um procrastinador. Eu entendo que é tipo alcoolismo, saca? Você precisa constantemente tratar e se empurrar na direção correta. Desistir é a saída mais fácil mesmo. Evita a frustração, sentir pena ou raiva de si, ter que lidar com a própria incapacidade. Só que é aí, justamente, que está o segredo: você é uma pessoa. Você merece carinho, cuidado e afeto. Esses três precisam, antes de mais nada, partir de dentro do seu coração. Uma comunhão antropofágica, um alimentar-se de si com rigor, sim, mas carinhosamente.

Eu não fico mais tão puto comigo quando não consigo completar um exercício, ou quando erro uma jogada no futvôlei, ou quando sinto que o texto não está escorregando dos meus dedos para o papel como deveria, ou se alguém não achou brilhante alguma atividade que eu desempenhei no trabalho. Agora eu só procuro aprender. Antes eu tinha certeza que já deveria saber, ou que já sabia.

“Só sei que nada sei”, afirma o paradoxo Socrático, que agora consigo interpretar como uma colocação otimista. Ninguém sabe. Tudo é uma constante descoberta, mas você precisa sair da sua própria Caverna de Platão para começar a desbravar essas possibilidades.

Eu acho curiosa a alegoria da caverna de Platão. Para mim, tanto as pessoas sentadas na caverna, quanto quem projeta as sombras na parede, são a mesma pessoa: você. A gente perde muito tempo se enganando e protegendo da realidade, em vez de encarar os próprios monstros, fraquezas e decepções. Sofremos pelo passado, nos sentimos obcecados pelo futuro. Por que?

A caverna de Platão, onde nossa mente prega peças sobre nós mesmos.

Coragem é viver o dia a dia. Precisa ser triplicada se você vive no Brasil de Bolsonaro? Precisa. Para mim ficou muito mais fácil depois que saí.

Eu tô querendo pagar de auto-ajuda? De jeito nenhum. Até porque compreendo que, via de regra, livros com essa temática ignoram privilégios e contextos sociais . Minha intenção é somente compartilhar a própria experiência. Ela poder ser aplicável a você? Seguramente, a depender do contexto.

Enfim, toda essa ladainha autoafirmativa só para dizer que agora vou virar cidadão israelense de fato. E o Dani israelense já nasce muito mais maduro do que a versão brasileira jamais foi.

Isso aconteceu porque Israel é o melhor país do mundo?

Não.

Aconteceu porque a água daqui é mágica?

Não.

A mudança de contexto contribuiu para o novo comportamento?

Com certeza.

Isso quer dizer que eu deixei de ter semanas e dias ruins?

Absolutamente não.

Ritos de passagem ditam a vida. Eu consigo dividir minha experiência adulta em capítulos bem definifos, sem dúvidas. Entendo bem alguns pontos de virada determinantes que me transformaram em quem sou hoje.

A versão israelense surgirá com o desafio gigantesco de melhorar a cada dia. Ainda não estou satisfeito com a minha evolução, ou com o patamar que alcancei, apesar de reconhecer que sou um ser humano mais seguro e honesto comigo. Ainda bem, né? No dia que sentir que alcancei tudo, pode mandar me matar, pois a vida terá perdido o propósito.

Assim, no balanço do dia a dia, tomamos grandes decisões. Algumas delas mudam absolutamente tudo. Não acredito muito nesse conceito enlatado de felicidade digno de comercial de margarina, ou propaganda da Coca-Cola, mas acredito que nos últimos seis meses, quando escolhi morar em Tel Aviv, o balanço foi muito positivo.

Estou enfrentando medos, exorcizando fantasmas.

Por falar em fantasmas, outro dia revi o primeiro Ghostbusters. É horrível! Não lembrava de ser tão ruim!

Decidi viver.

Amanhã é um dia simbólico. Lembro bem quando empacotei minhas coisas em Belo Horizonte para voltar ao Rio e da melancolia que tomou conta de mim ao contemplar a casa vazia. Agora o sentimento é diametralmente oposto.

Vou mostrando como sou e vou sendo como posso, jogando meu corpo no mundo. Andando por todos os cantos e pela lei natural dos encontros. Eu deixo e recebo um tanto e passo aos olhos nus, ou vestidos de lunetas. Passado, presente, participo sendo…

O Mistério do Planeta.

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Aqui vão outras sugestões de leitura:

> Três casamentos e nenhum funeral (por enquanto)
> Disneylândia de gente grande
> Os vários tipos de afogamento

Obrigado pela companhia! Volte sempre!

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Daniel Hippertt

Sou um cara que enxerga graça em situações cotidianas, que rio de mim mesmo com frequência, e que tento fazer os outros rirem (talvez sem o mesmo sucesso).